Os advogados Pedro Michel Serejo e Daniele Ferreira, que são professores universitários, devem recorrer à justiça, para pedir a anulação do Projeto de Lei nº 55/2019, de autoria do Executivo Municipal, que dispõe sobre o reconhecimento de dívidas consolidadas referentes às despesas de exercícios anteriores.
Na ação popular, os causídicos questionarão a ilegalidade do projeto apreciado pela Câmara de São Luís, em regime de urgência urgentíssima – quando são dispensados os pareceres e interstícios de tramitação regimental –, e devem acionar o Ministério Público (MP) para pedir também a condenação do prefeito e dos vereadores, por crime de Improbidade, além de ressarcimento ao erário.
Na sessão de quarta feira(13), apenas os vereadores Marcial Lima (PRTB), Estevão Aragão (PSDB), Honorato Fernandes (PT) e Marquinhos (DEM) votaram contra o projeto. Já os vereadores Chico Carvalho (PSL), Bárbara Soeiro (PMN), Josué Pinheiro (PSDB) e Fátima Araújo (PCdoB) não estavam presentes na sessão.
Os advogados fazem uma série de questionamentos em relação ao dispositivo aprovado de forma atabalhoada. Antes de propor a Ação Popular que será ajuizada nos próximos dias, os causídicos se reuniram com um grupo de juristas para discutir o assunto.
Um deles perguntou se existe violação ao princípio da separação dos poderes, quando o Poder Judiciário aprecia o motivo que ensejou a prática de um ato administrativo ilegal? Outro questionou se a soberania do plenário tem o condão de introduzir um ato natimorto, desde o nascedouro, ao mundo jurídico? Após uma ampla discussão acerca do tema chegaram ao entendimento, em sede da ilegalidade, depois de uma minuciosa analise da proposta, conforme relatos a seguir:
ENTEDA O PL
No artigo 1º do mencionado PL, fica o Executivo Municipal autorizado a parcelar o débito existente com a empresa SLEA – São Luís Engenharia Ambiental S/A, conforme Termo de Reconhecimento de Dívida, assinado no dia 07 de maio de 2015, correspondente à remuneração em um interregno de apenas sete meses, ou seja, julho de 2012 a janeiro de 2013, no valor total de R$89.812.384,59 (oitenta e nove milhões, oitocentos e doze mil, trezentos e oitenta e quatro reais e cinquenta e nove centavos), além das diferenças de reajustes contratuais e encargos financeiros, conforme contrato de Parceria Pública Privada nº 046/2012.
Já no artigo 2º, o Poder Executivo declara já ter sido pago até dezembro de 2018, R$38.020.793,36 (trinta e oito milhões, vinte mil, setecentos e noventa e três reais e trinta e seis centavos), restando ainda para pagamento, a quantia de R$ 51.791.645,23 (cinquenta e um milhões, setecentos e noventa e um mil, seiscentos e quarenta e cinco reais e vinte e três centavos), o qual será pago em 149 parcelas, a partir de 01 de janeiro de 2019 até maio de 2031, devendo o saldo remanescente ser reajustado anualmente com base na variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor –IPCA, apurado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, ocorrido no período compreendido entre os meses de dezembro no ano anterior a novembro do ano em curso, com aplicação a partir de janeiro do mês subsequente.
O art. 3º aduz que as despesas decorrentes de aplicação desta Lei correrão por conta de dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário. Já o art. 4º estipula que a autorização tem efeitos retroativos a maio de 2015, data em que foi assinado o Termo de Reconhecimento de Dívida. E, finalizando, o art. 5º autoriza o chefe do Poder Executivo a abrir créditos adicionais destinados a fazer face ao pagamento do termo de Parcelamento de Reconhecimento de Dívida até quitação do débito, enquanto o art. 6º determina que a lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogando as disposições em contrário.
MOTIVAÇÃO DO PROJETO
É oportuno esclarecer que a votação do PL, em tese, teve como objeto a emissão e, posterior, apresentação de Certidão, exigida pela Secretaria do Tesouro Nacional – para liberar a Prefeitura de São Luís, empréstimo no valor de R$100.000,00,00(cem milhões de reais ), aprovado em 2018 pela Câmara Municipal.
POSSÍVEIS ILEGALIDADES
Feito tais esclarecimentos para que nossos leitores se situem no tempo e no espaço, passaremos a enfrentar as indagações feitas no início da matéria, digo, se de fato ocorre violação ao princípio da separação dos poderes, quando o Poder Judiciário aprecia o motivo que ensejou a prática de um ato administrativo ilegal e, ainda, se a soberania do plenário tem o condão de introduzir um ato natimorto, desde o nascedouro, ao mundo jurídico?
Embora alguns doutrinadores entendam que, em se tratando do Poder Legislativo, o resultado de uma votação é absoluto, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal decidiu que o exame pelo Poder Judiciário de ato administrativo tido por ilegal ou abusivo não viola o princípio da separação dos poderes. A decisão foi proferida ao julgar inviável um recurso proposto pelo município de Guarapari (ES) contra decisão do Tribunal de Justiça estadual de anular o ato que revogava a permissão de uso de uma banca de revistas e determinava a retirada dela do local a fim de atender a interesse público.
Na decisão, Barroso ressaltou que é pacífica a jurisprudência do STF, no sentido de que o exame pelo Poder Judiciário de ato administrativo tido por ilegal ou abusivo não viola o princípio da separação dos poderes. Com base nesse entendimento, os advogados consultados foram unânimes.
“Ao assinar o Termo de Confissão de Dívida, em maio de 2015, o prefeito Edvaldo Holanda Junior cometeu, provavelmente, o crime de Improbidade Administrativa, por ter descumprindo os arts 10 e 11 da Lei 8.492 (Lei de Improbidade), ferindo, assim, o Princípio da Legalidade, esculpido no caput do art. 37 da Constituição da República”, afirmou a advogada Daniele Ferreira. “Analisando o PL, o art. 4º objetiva atender, apenas, o que aduz o art. 45, inciso IV da Lei Orgânica do Município de São Luís, que trata da Autorização Legislativa, o qual, certamente, deve ter sido descumprido”, completou Pedro Michel.
ATO NULO NÃO PRODUZ EFEITOS
Na avaliação dos advogados, dentre os absurdos constantes no PL, o mais grave diz respeito ao efeito ex tunc (retroativo), assegurado no art. 4º. “Os vereadores convalidaram em março de 2019 um ato administrativo realizado em maio de 2015, provavelmente em desacordo com os preceitos legais, do contrário o artigo não teria sido incluído no bojo do projeto. E nos causa estranheza tal ilegalidade, latente, diga-se de passagem, ter sido ignorada pela maioria dos vereadores, inclusive os que são advogados, os quais devem ter esquecido que um ato nulo não produz efeitos no mundo jurídico”, afirmou.
Outro ponto que merece ser enfrentado diz respeito à capacidade do colegiado eleito em 2016, em ratificar um ato administrativo de efeitos concretos firmado em 2015. “Na seara jurídica, será válido um vereador apreciar atos do Poder Executivo referente a um período em que não exercia mandato eletivo?”, questiona o professor.
AFRONTA AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA
Precisa ser esclarecido, ainda, pelo prefeito Edvaldo, que assumiu seu primeiro mandato em janeiro de 2013, quais as razões para a afronta ao Princípio da Isonomia (art.37 da CR) em relação à empresa SLEA. “Por que vários prestadores de serviços, tanto na primeira quanto segunda gestão, estão sem receber há meses, e o gestor resolveu firmar um TCD com uma empresa que assinou contrato com a gestão anterior, mesmo sem interpor uma Ação de Execução?”, pergunta a advogada. “Reconhecemos a importância da empresa que coleta, transporta e dispensa todo o lixo produzido na Grande São Luís, contudo, não podemos desprezar, também, a relevância do serviço realizado pelos demais fornecedores”, conclui a Drª Daniele.
Da mesma forma, na avaliação dos advogados, merece ser esmiuçado o montante da dívida, já que pelo PL apresentado, os R$ 89 milhões de reais são referentes à prestação de serviço em um intervalo de apenas sete meses. É oportuno ressaltar, inclusive, que mesmo não tendo sido explicada as nuances do contrato, que posteriormente serão esmiuçadas, evidenciando a gravidade do ato lesivo ao erário, os vereadores não tiveram curiosidade em buscar as informações constantes no Diário Oficial do Município (DOM) de nº 207, pulicado no dia 7 de novembro de 2018.
Assim sendo, diante de todos os pontos levantados na matéria, será que qualquer ato dos Poderes da República pode ser apreciado pelo Poder Judiciário considerando os limites de cognição ditados pela teoria da separação e harmonia de poderes? Será que a soberania do plenário tem o condão de introduzir um ato natimorto, desde o nascedouro, ao mundo jurídico?
Certamente, esses questionamentos deverão ser enfrentados na Ação Popular, com pedido de liminar, para declarar a ilegalidade do art. 4º do PL, suspendendo o pagamento das parcelas a empresa SLEA, até que seja julgado o mérito da ação referente ao PL 55/2019. Com o desdobramento da AP, o prefeito e os vereadores poderão responder por crime de Improbidade Administrativa, com ressarcimento ao erário e perdas dos direitos políticos.
FONTE: http://www.athenasmaranhense.com.br/