Há um ano o Ministério da Saúde emitia um alerta inimaginável até mesmo para os maiores infectologistas do País. Em uma portaria publicada no dia 11 de novembro de 2015, o Brasil decretava emergência em saúde pública por causa de um surto de microcefalia causado por um vírus recém-descoberto em território nacional. Desde então, 2.079 casos da má-formação foram confirmados e outros 3.077 seguem em investigação, a maioria no Nordeste.
Passado o baque inicial e sem a pressão dos holofotes internacionais, esforços prometidos pelos governos para barrar novos casos da doença e amparar as famílias com bebês vítimas da má-formação parecem ter sido insuficientes. Pela primeira vez, a epidemia de microcefalia ganha força no Sudeste, com aumento expressivo de casos confirmados no Rio e em São Paulo nos últimos meses, conforme apontam dados inéditos tabulados pelo Estado a partir de estatísticas do Ministério da Saúde.
Enquanto Recife, epicentro da crise inicial, vive estagnação nos registros – 64 até agora –, o Rio já é a capital com a maior tendência de alta, ocupando a segunda posição no ranking de municípios com mais casos confirmados (110). No Estado de São Paulo, o número de crianças com microcefalia comprovada triplicou entre agosto e outubro, passando de 14 para 46. Juntos, os dois Estados têm ainda 700 registros da má-formação em investigação.
O Ministério da Saúde afirma que não há um período de pico de casos no Sudeste. “Os dados são contabilizados nas estatísticas na semana em que foram confirmados, mas muitos se referem a registros de bebês nascidos meses atrás. De maneira nenhuma o risco pode ser minimizado, mas os números registrados mês a mês no Sudeste se mantêm estáveis”, diz Eduardo Hage, diretor do Departamento das Doenças Transmissíveis do ministério.
No Nordeste, as crianças vítimas do primeiro surto da má-formação completam um ano enfrentando ainda a falta de vagas em centros de reabilitação e demora no acesso à atenção especializada.
Para mostrar os impactos da microcefalia na vida das famílias, o Estado acompanhou de perto os primeiros 12 meses de vida de quatro bebês de Pernambuco e São Paulo afetados pela epidemia. Nascidos entre setembro e novembro do ano passado, Alessandro, Laura, Matheus e Pérola foram vítimas da síndrome congênita do zika, doença até então desconhecida pela ciência e que, além da microcefalia, pode causar danos a órgãos como visão, audição e articulações.
Passado um ano do alerta de emergência do ministério, a rotina e a batalha das quatro crianças e de suas famílias mostram que tão cruel quanto as sequelas da doença são as limitações impostas pela falta de assistência médica adequada, desestrutura familiar, demora nas ações governamentais, pobreza e desigualdade social.
Centros de reabilitação prometidos pelo Ministério da Saúde não saíram do papel. Os locais de tratamento seguem concentrados nos grandes municípios, dificultando o acesso de bebês do interior do País. O transporte para as capitais, de obrigação municipal, também vem sendo dificultado pelas prefeituras, principalmente após o fim do processo eleitoral. Medicamentos para sequelas da microcefalia estão em falta nas farmácias do SUS.