Defender um grande time, disputar partidas em estádios lotados, ver fãs usando camisas com o seu nome nas costas e… ter um computador potente nas mãos. Deve soar estranho para quem acompanha os chamados ‘esportes tradicionais’, como o futebol, mas este pode ser o sonho cada vez mais comum de crianças e adolescentes por causa do crescimento dos e-Sports, os esportes eletrônicos. Tentando pegar carona neste mercado, que gerou mais de R$ 3,2 bilhões em 2015, os clubes de futebol começam a se movimentar para ter suas próprias equipes no segmento.
Para quem não está habituado com esse universo, Lucas Almeida, sócio-proprietário de um dos mais tradicionais clubes brasileiros, o INTZ, faz um paralelo com o futebol para explicar a organização das equipes dos games. “Um time de futebol é uma associação e nós somos um clube com CNPJ. O INTZ é um clube igual ao Flamengo, mas voltado para esportes eletrônicos. Assim como o Flamengo, temos o nosso carro chefe, que é a League of Legends (LoL), que no time rubro-negro seria o futebol de campo. O clube do Rio têm boxe, vôlei, basquete. Nós temos outras ‘modalidades’ também: Counter Strike, Dota e Smite”, diz o empresário.
As comparações com o futebol não param por aí. “Nosso faturamento vem de patrocínio, direito de transmissão, negociação de atletas, sócio-torcedor, licenciamento de produtos. Tudo como um clube esportivo tradicional no Brasil”, conta Almeida, que também é presidente da Associação Brasileira de Clubes de Esports (ABCDE).
A entidade foi criada neste ano para, entre outras funções, atuar em patrocínios globais – quando o investidor não quer patrocinar apenas um clube, mas todos os participantes de uma Liga –, e em direitos de transmissão de TV. Uma espécie de Clube dos 13 (extinta associação que negociava os direitos de TV do Campeonato Brasileiro), mas com mais atribuições.
Até plano de sócio-torcedor existe nos e-Sports, algo que demorou tanto para ser explorado no futebol tradicional, mas que nasceu junto com a modalidade nos games. E se você ainda desconfia do fanatismo de quem acompanha os clubes, a equipe paiN Gaming levou apenas um mês para ter 3.600 inscritos e superar a base de sócios do América-MG, que defende a primeira divisão do Brasileirão.
Após análise para novos investimentos, o Santos viu no mercado de e-Sports “algo promissor” e se tornou o primeiro clube do Brasil a entrar no negócio. Em 2015, o alvinegro anunciou parceria com o Dexterity Team, que passou a usar as cores do clube nas competições.
“A ideia surgiu da necessidade de encontrarmos receitas alternativas para o Santos. O ano passado, não apenas aos clubes, foi complicado do ponto de vista econômico, então precisávamos encontrar soluções e foi aí que enxergamos o mercado de e-Sports”, conta Rafael Buzzi, representante de marketing do clube da Vila Belmiro.
Um ano depois, o ‘e-Santos’ fala como está sendo a experiência. “O retorno que temos é medido em duas frentes: financeiro e institucional. O mais importante acaba sendo a exposição da marca a um público jovem e que, em muitos casos, não consome futebol. Então, conseguir a simpatia desse público, pode nos ajudar muito num futuro próximo. Junto a isso está a exposição internacional, que acontece durante os eventos”, detalha o profissional.
A mudança de postura dos clubes em relação ao sucesso dos games é um fator importante para o desempenho das parcerias, como conta Lucas Almeida. “O raciocínio inicialmente era: ‘Vocês precisam da gente para existir’. Isso não é verdade, porque temos vida saudável sem os clubes de futebol. Acho que o melhor modelo é o do Paris Saint-Germain, que entendeu o mercado e adotou o discurso de: ‘Nós também precisamos de vocês assim como vocês precisam da gente. Vamos trabalhar juntos?’”
Prova disso é o modelo defendido pela Remo Brave, que nasceu da junção do centenário Clube do Remo, dono da maior torcida de futebol da região norte, com a Brave e-Sports. “Nossos departamentos de marketing são integrados e isso propicia patrocínios em conjunto. Então, é possível hoje que coloquemos um patrocinador na camisa do clube de futebol e vice-versa”, ensina o CEO da equipe, Tiago Sans.
Manchester City (Inglaterra), Schalke 04 (Alemanha), Sporting (Portugal) e Valencia (Espanha) são alguns clubes europeus com times de e-Sports. No fim de outubro, o milionário PSG (França) resolveu entrar nesta lista. Em uma apresentação cheia de pompa, a equipe francesa anunciou a aquisição de um dos mais consagrados jogadores de LoL, Bora Kim, conhecido como YellOwStaR, para ser diretor do seu projeto. Junto com ele também foram apresentados Lucas “Daxe” Cuillerier e August “Agge” Rosenmeier – ese último atual campeão mundial do torneio oficial da Fifa de simulador de futebol produzido pela Eletronic Arts.
CORRENTO ATRÁS-A entidade máxima do futebol mundial também está de olho nesse mercado. Em documento de 69 páginas chamado “A visão para o futuro”, a Fifa diz que vai “estabelecer uma equipe dedicada a explorar as oportunidades e desenvolver uma estratégia de negócios que garantam que ela siga as tendências para ser capaz de se adaptar rapidamente ao desenvolvimento na indústria dos e-sports”. A CBF caminha na mesma direção, ao promover o primeiro Campeonato Brasileiro de Futebol Virtual, mas no game Pro Evolution Soccer, feito pela Konami.
Segundo o presidente da Fifa, Gianni Infantino, a intenção da entidade é “imitar a produção de eventos globais em campo com uma produção melhorada de competições de Fifa virtual.”
A entrada de times famosos pode nessa corrida ajudar a alavancar o futebol na lista dos jogos preferidos pelos ‘gamers’. Segundo dados de julho da Newzoo, uma das principais condutoras de pesquisas sobre a indústria de game, o primeiro simulador de futebol aparece apenas na 18.ª posição entre os jogos mais assistidos, em lista liderada por LoL, Dota 2 e Counter Strike.